Jung e os Sonhos
Carl Gustav Jung (1875-1961) foi um dos mais destacados pesquisadores do psiquismo humano nos últimos anos. Suas idéias revolucionárias no campo psicológico forçou a alteração da visão até então adotada. Também se dedicou a estudar os sonhos. Acreditava que os sonhos continham mensagens significativas.
Cada sonho tem seu significado. Normalmente os sonhos se apresentam de forma insensata com relação à realidade do viver diário, desta forma as pessoas acham que tudo aquilo é tolice. Vejam só o que Jung disse: “ (… muito dificilmente os sonhos se desenrolam claramente do começo ao fim. Os mais comuns parecem coisas bobas e por isso são depreciados …). Rejeito a abordagem preconcebida que afirma que um sonho é uma distorção, pois aí enxergo que se não o entendo é porque minha mente é que é distorcida, e não estou tendo a percepção que deveria ter”.
JUNG INTERPRETA UM SONHO
Durante, principalmente, os seus últimos anos de vida Jung se dedicou profundamente a decodificar as mensagens comuns ou coletivas dos sonhos. Ele escreveu vários livros entre os quais alguns estão descritos em nossa bibliografia. Em sua obra “Memórias, Sonhos e Reflexões” (Editora Nova Fronteira, Rio de Janeiro – compilada e prefaciada por Aniela Jaffé), fala amplamente das características dos sonhos, decodificando-as sob o ponto de vista clínico e, em alguns casos, metafísico. Para ilustrar a visão dos sonhos segundo Jung, destacaremos um trecho muito interessante da mencionada obra:
“Compreende-se que um neurótico seja submetido a uma análise; mas se é “normal” não tem necessidade disso. Posso, entretanto, afirmar que me ocorreram experiências surpreendentes com a assim chamada “normalidade”. Certa vez, por exemplo, tive um aluno completamente “normal”. Era médico e me procurou com as melhores recomendações de um velho colega. Fora assistente dele e ficara com a sua clientela. Seu sucesso e clientes eram normais. Com mulher e filhos normais, ele morava numa casinha normal, numa cidadezinha normal, tinha um ordenado normal e provavelmente se alimentava normalmente. Queria tornar-se analista! “O senhor sabe ¾ disse eu o que isso significa? Significa que deverá conhecer-se primeiro a si mesmo para tornar-se um instrumento; se não estiver em ordem, como reagirá o doente? Se não estiver convencido, como persuadirá o doente? O senhor mesmo deverá ser a matéria a ser trabalhada. Se não, que Deus o ajude! Conduzirá os doentes por caminhos falsos. Será preciso, inicialmente, que o senhor mesmo assuma a sua análise.” O homem concordou comigo, mas declarou: “Nada tenho a lhe dizer que seja problemático.” Eu devia ter desconfiado disso. “Pois bem, acrescentei, examinaremos seus sonhos. “Eu não tenho sonhos”, disse ele. E eu, “Mas logo o senhor os terá.” Um outro teria provavelmente sonhado na noite seguinte; mas ele não poderia se lembrar de sonho algum. Isso durou cerca de quinze dias e minha surpresa foi se transformando em inquietação.
“Enfim, ele teve um sonho impressionante: sonhou que estava viajando por uma estrada de ferro. O trem deveria parar duas horas numa certa cidade. Como ele nunca tivesse visto essa cidade e desejasse conhecê-la, pôs-se a caminho até chegar ao centro. Encontrou aí um castelo medieval, provavelmente uma prefeitura. Caminhou através de longos corredores, entrou em belas salas, onde nas paredes estavam pendurados velhos quadros e lindos tapetes de gobelim. Em torno, havia velhos objetos preciosos. De repente, viu que começava a escurecer e que o sol se punha. Pensou: “Preciso voltar à estação.” Nesse momento, percebeu que se perdera, não sabendo mais onde estava a saída; teve medo, e ao mesmo tempo, percebeu que ninguém morava na casa. Angustiado, apressou-se na esperança de encontrar alguém. Deparou, então, com uma porta grande e pensou, aliviado: “É a saída!” Abriu-a e se viu numa sala gigantesca; a escuridão era tão completa que não podia distinguir nitidamente a parede à sua frente. Assustado, pôs-se a correr no amplo espaço vazio, esperando achar a saída do outro lado da sala. Então bem no meio do quarto apareceu alguma coisa branca no chão. Aproximando-se, reconheceu uma criança idiota de cerca de dois anos, sentada num urinol, toda suja de fezes. Nesse momento acordou dando um grito de pânico.
“Era o bastante! Tratava-se de uma psicose latente! Eu estava suando quando procurei tirá-lo de seu sonho. Falei sobre o sonho da maneira mais anódina possível. Não me detive em detalhe algum.
“Eis, mais ou menos, o que traduzia o sonho: a viagem é a viagem a Zurique. Mas aí permanece pouco tempo. A criança no centro do quarto é a imagem dele mesmo, com a idade de dois anos. Entre as criancinhas esses maus modos não são comuns, mas possíveis! As fezes atraem o interesse por causa do cheiro e da cor. Quando uma criança cresce numa cidade e, principalmente, pertence a uma família severa, tal coisa pode acontecer uma vez ou outra.
“Mas o médico ¾ o sonhador ¾ não era uma criança, era um adulto. Eis porque a imagem onírica da criança é um símbolo nefasto. Quanto me contou o sonho, compreendi que a sua normalidade era uma compensação. Pude recuperá-lo in extremis, pois pouco faltou para que a psicose latente explodisse, e se tornasse manifesta. Era preciso impedir tal coisa. Finalmente, com a ajuda de um de seus sonhos consegui encontrar um meio plausível para pôr fim à análise didática. Ficamos mutuamente reconhecidos por esta saída. Não revelei o meu diagnóstico, mas ele observara que um pânico, que uma derrota catastrófica se preparavam: o sonho insinuara que um perigoso doente mental o perseguia. Pouco depois, o sonhador voltou à sua terra. Nunca mais tocou no inconsciente. A tendência a ser normal correspondia a uma personalidade que não se desenvolveria mas, pelo contrário, explodiria num confronto com o inconsciente. Essas “psicoses latentes” soa as “bêtes noires” dos psicoterapeutas, porque freqüentemente é muito difícil descobri-las. Nesses casos, é particularmente importante compreender os sonhos.
“Isso nos leva à questão da análise praticada por analistas não-médicos. Minha opinião é de que os não-médicos devem poder estudar e também exercer a psicoterapia, se bem que, quando se trata de psicoses latentes, possam facilmente se perder. Por este motivo, recomendo que os leigos habilitados trabalhem como analistas, mas somente sob o controle de um médico especialista. Quando têm alguma dúvida, devem aconselhar-se com ele. Já é muito difícil para os médicos reconhecer uma esquizofrenia latente e tratá-la; para o não-médico isso é ainda mais difícil. Entretanto, sempre constatei que os leigos que se ocuparam de psicoterapia durante anos, e que passaram, eles próprios, por uma análise, têm conhecimentos e eficácia. Por outro lado, raros médicos praticam a psicoterapia. A profissão exige uma formação muito longa e profunda e uma cultura geral que pouquíssimos possuem.”
Para concluir destacamos as palavras do grande sábio grego Platão: “Conhece-se um homem pelos seus sonhos”.
Extrato da lição do Curso de Onirologia – Interpretação de Sonhos. Mais info, clique aqui.